Por: Marcelo Braga
-Texto originalmente publicado no site da FPF - Na linguagem indígena, Irakanã dá nome a um pássaro. Na aldeia Xurucu-Cariri, o índio Irakanã deixou a tribo, foi para a Bahia, mudou-se para São Paulo, conquistou o mundo, e depois rodou por Peru, Coréia do Sul e Grécia, até chegar à cidade de Franca, onde disputa o Campeonato Paulista da Série A3 pela Francana. Como o voo de um pássaro, a carreira do lateral-direito Índio, de 29 anos, teve altos e baixos.
Apesar de palmeirense, já que nasceu na aldeia situada na cidade de Palmeira dos Índios, em Alagoas, o jogador teve seu auge no Corinthians, onde chegou em 1998. “A gente andava vestido de índio mesmo, e vivia na selva. Meu primeiro contato com bola foi aos oito anos, antes de me mudar para a Bahia. Lá, passei por uma peneira e comecei a integrar as equipes de base do Vitória, onde fiquei por três anos. Até que fomos disputar um torneio em Dallas (Torneio Dallas Cup/USA, de juniores), e fomos campeões contra o Corinthians”, recordou.
Mas antes de despertar o interesse do time paulista, Índio – ou José Sátiro do Nascimento – quase abandonou o futebol, desmotivado pelo preconceito. “No Vitória, os outros garotos me zuavam muito, e tive que conviver com isso. Às vezes ficava com vergonha e uma vez até fugi do clube. Peguei minhas coisas e fui de ônibus até Alagoas, mas mandaram me buscar e voltei ao Vitória. Se não tivessem ido atrás de mim talvez eu estivesse até hoje por lá”, lembrou, com bom-humor.
Chegando ao Corinthians em 1998, o jogador se deparou com o caos da cidade de São Paulo e tomou um choque. “Na Bahia já me caçoavam por eu nunca ter visto o mar. Quando cheguei na cidade grande então, foi tudo muito estranho, pois tudo era novo”, disse. Após uma boa exibição na Copa São Paulo de Futebol Júnior, Índio foi promovido ao time principal ao lado de jogadores como Edu, Fernando Baiano, Ewerton e Kléber.
Após começar na reserva de Rodrigo no Campeonato Brasileiro daquele ano, ele ganhou a posição e foi um jogador importante na conquista do título corintiano. Depois, em 1999, como titular absoluto, sagrou-se campeão paulista e bicampeão nacional. “Mais até do que o título mundial, os dois brasileiros me dão muito orgulho, já que se trata de um campeonato muito difícil de disputar”, afirmou.
Presente também na conquista do Mundial de Clubes da FIFA, em 2000, o lateral-direito viu o seu fim no Parque São Jorge justamente após a vitória contra o Vasco, quando se deu o desmanche do elenco alvinegro. “Saí do Corinthians por negociação de empresários. Não queria ter saído”, lamentou. Afinal, em dos clubes mais populares do País, Índio estava mais do que em evidência e até seus familiares de Xurucu-Cariri o acompanhavam jogo a jogo. “Eu comprei uma televisão e uma antena parabólica para que eles vissem meus jogos”, afirmou.
Do Corinthians, Índio passou por Goiás, Santo André, Alianza Lima (Peru), Daegu (Coréia do Sul), Pohang Steelers (Coréia do Sul) e PAOK (Grécia), clubes onde sofreu com as diferenças da língua. “Tive que aprender algumas coisas e me virar. Na Coréia e na Grécia me deram uns livrinhos que traduziam algumas palavras para o português”, disse o jogador, que não fala inglês. Mesmo com as dificuldades, Índio gostou das experiências. “O bom do futebol lá de fora é que os jogadores mais velhos são muito mais respeitados. Aqui ninguém respeita muito quem tem mais idade”, concluiu.
No Toronto Supra, do Canadá, Índio não chegou a jogar, apesar de quase ter sido contratado. “Cheguei a ir até lá, mas quando fiquei sabendo que não era para futebol, era para chutar bola no futebol americano, disse que estava fora”, contou. Em 2008, o jogador retornou ao futebol brasileiro, para jogar no Vitória de Santo Antônio, em Pernambuco, jogando por apenas três meses.
Aos 29 anos, o lateral ainda se vê em condições de dar alegrias aos torcedores por, pelo menos, mais seis anos. “Quero jogar até os 35 anos e depois virar técnico. Hoje estou muito feliz na Francana, e tenho certeza que, pela união do nosso grupo, poderemos subir para a A2. Espero fazer um bom campeonato para conseguir uma vaga em algum time que irá disputar os Brasileiros das Séries A e B”, revelou.
Ainda com planos para a carreira, Índio afirma não mais acompanhar os jogos do Corinthians e, apesar de negar, demonstra uma certa mágoa de seu ex-clube. “Não acompanho mais. Lá era complicado. Você sempre tinha que estar bem, senão a torcida queria te pegar, te bater. Mas mágoa não existe, até porque foi ali que minha vida mudou”, admitiu.
Com residência em Poços de Caldas (MG), o jogador se diz insatisfeito com as condições dadas atualmente para a classe indígena. “O governo precisa ajudar mais. Lá em Poços de Caldas aconteceu de um político desviar os recursos que eram para as tribos, e isso tem que acabar. O índio ainda é muito maltratado”, lamentou.
Adaptado às modernidades, o jogador admite ser difícil um retorno definitivo para Xucuru-Cariri. Longe da selva, Irakanã mantém ao menos uma tradição indígena: não usa celular. “Mas é porque nunca gostei do pessoal me enchendo o saco. Gosto de estar com a cabeça pronta e relaxada apenas para jogar bola”, finalizou.
Imagem:
http://blogs.abril.com.br/blogs/gustavozupak/2008/12/xucuru-cariri.html?pageno=2
Apesar de palmeirense, já que nasceu na aldeia situada na cidade de Palmeira dos Índios, em Alagoas, o jogador teve seu auge no Corinthians, onde chegou em 1998. “A gente andava vestido de índio mesmo, e vivia na selva. Meu primeiro contato com bola foi aos oito anos, antes de me mudar para a Bahia. Lá, passei por uma peneira e comecei a integrar as equipes de base do Vitória, onde fiquei por três anos. Até que fomos disputar um torneio em Dallas (Torneio Dallas Cup/USA, de juniores), e fomos campeões contra o Corinthians”, recordou.
Mas antes de despertar o interesse do time paulista, Índio – ou José Sátiro do Nascimento – quase abandonou o futebol, desmotivado pelo preconceito. “No Vitória, os outros garotos me zuavam muito, e tive que conviver com isso. Às vezes ficava com vergonha e uma vez até fugi do clube. Peguei minhas coisas e fui de ônibus até Alagoas, mas mandaram me buscar e voltei ao Vitória. Se não tivessem ido atrás de mim talvez eu estivesse até hoje por lá”, lembrou, com bom-humor.
Chegando ao Corinthians em 1998, o jogador se deparou com o caos da cidade de São Paulo e tomou um choque. “Na Bahia já me caçoavam por eu nunca ter visto o mar. Quando cheguei na cidade grande então, foi tudo muito estranho, pois tudo era novo”, disse. Após uma boa exibição na Copa São Paulo de Futebol Júnior, Índio foi promovido ao time principal ao lado de jogadores como Edu, Fernando Baiano, Ewerton e Kléber.
Após começar na reserva de Rodrigo no Campeonato Brasileiro daquele ano, ele ganhou a posição e foi um jogador importante na conquista do título corintiano. Depois, em 1999, como titular absoluto, sagrou-se campeão paulista e bicampeão nacional. “Mais até do que o título mundial, os dois brasileiros me dão muito orgulho, já que se trata de um campeonato muito difícil de disputar”, afirmou.
Presente também na conquista do Mundial de Clubes da FIFA, em 2000, o lateral-direito viu o seu fim no Parque São Jorge justamente após a vitória contra o Vasco, quando se deu o desmanche do elenco alvinegro. “Saí do Corinthians por negociação de empresários. Não queria ter saído”, lamentou. Afinal, em dos clubes mais populares do País, Índio estava mais do que em evidência e até seus familiares de Xurucu-Cariri o acompanhavam jogo a jogo. “Eu comprei uma televisão e uma antena parabólica para que eles vissem meus jogos”, afirmou.
Do Corinthians, Índio passou por Goiás, Santo André, Alianza Lima (Peru), Daegu (Coréia do Sul), Pohang Steelers (Coréia do Sul) e PAOK (Grécia), clubes onde sofreu com as diferenças da língua. “Tive que aprender algumas coisas e me virar. Na Coréia e na Grécia me deram uns livrinhos que traduziam algumas palavras para o português”, disse o jogador, que não fala inglês. Mesmo com as dificuldades, Índio gostou das experiências. “O bom do futebol lá de fora é que os jogadores mais velhos são muito mais respeitados. Aqui ninguém respeita muito quem tem mais idade”, concluiu.
No Toronto Supra, do Canadá, Índio não chegou a jogar, apesar de quase ter sido contratado. “Cheguei a ir até lá, mas quando fiquei sabendo que não era para futebol, era para chutar bola no futebol americano, disse que estava fora”, contou. Em 2008, o jogador retornou ao futebol brasileiro, para jogar no Vitória de Santo Antônio, em Pernambuco, jogando por apenas três meses.
Aos 29 anos, o lateral ainda se vê em condições de dar alegrias aos torcedores por, pelo menos, mais seis anos. “Quero jogar até os 35 anos e depois virar técnico. Hoje estou muito feliz na Francana, e tenho certeza que, pela união do nosso grupo, poderemos subir para a A2. Espero fazer um bom campeonato para conseguir uma vaga em algum time que irá disputar os Brasileiros das Séries A e B”, revelou.
Ainda com planos para a carreira, Índio afirma não mais acompanhar os jogos do Corinthians e, apesar de negar, demonstra uma certa mágoa de seu ex-clube. “Não acompanho mais. Lá era complicado. Você sempre tinha que estar bem, senão a torcida queria te pegar, te bater. Mas mágoa não existe, até porque foi ali que minha vida mudou”, admitiu.
Com residência em Poços de Caldas (MG), o jogador se diz insatisfeito com as condições dadas atualmente para a classe indígena. “O governo precisa ajudar mais. Lá em Poços de Caldas aconteceu de um político desviar os recursos que eram para as tribos, e isso tem que acabar. O índio ainda é muito maltratado”, lamentou.
Adaptado às modernidades, o jogador admite ser difícil um retorno definitivo para Xucuru-Cariri. Longe da selva, Irakanã mantém ao menos uma tradição indígena: não usa celular. “Mas é porque nunca gostei do pessoal me enchendo o saco. Gosto de estar com a cabeça pronta e relaxada apenas para jogar bola”, finalizou.
Imagem:
http://blogs.abril.com.br/blogs/gustavozupak/2008/12/xucuru-cariri.html?pageno=2
9 comentários:
É o esporte alcançando todas suas camadas da sociedade. Em outros países, os povos nativos acabam tendo um pouco mais de sabor na fatia social. Só ver os aborígines australianos q até campeã olímpica fizeram em 2000. Q nossos índios tb ganhem espaço não só no futebol. Bem trabalhados, sua natureza resistente e 'guerreira' bem q podiam dar frutos em outras modalidades olímpicas tb.
Bom trabalho de vcs, pessoal do Jornalismo Esportivo. Linkei o blog de vcs nos meus três de esportes olímpicos. Adoraria tb ter meus lins aqui e trocarmos figurinhas.
Acompanho sempre e deixou meus 'rastros' e pitacos honestos por aqui.
Abração
Everton Domingues
www.vancouverolimpica.blogspot.com
www.beijingolimpica.blogspot.com
www.londresolmpica.blogspot.com
independente de qq questionamento sobre a qualidade do jogador, o ìndio eh um cara q teve uma passagem extremamente vitoriosa no Corinthians.
Um texto envolvente, completo e bastante dinamico. Parabens cara. Veio acrescentar e mto ao Jornalismo Esportivo.
Claro, como não? Quem acompanha o futebol há pelo menos dez anos deve se lembrar do Índio.
Foi, é e será sempre um exemplo muito feliz não somente para torcedores e autoridades, mas também para os futuros jogadores do nosso país.
Um abraço, Marcelo!
O INDIO, É UMA PESSOA ESPECIAL SEMPRE LUTANDO PELO SEU IDEAL MAS, NÃO PERDE A SIMPLICIDADE DE SUA ORIGEM E ISSO É TD DEIXO UM GRANDE ABRAÇO E ONDE QUER QUE ELE VÁ EU SEMPRE O ACOMPANHAREI.
Muito bom não só o texto, como também a sacada de encontrar um jogador com tanta história pra contar. O mérito da reportagem foi não ser piegas em nenhum momento - nem com o fato de o jogador ser índio e nem de ele estar fora dos holofotes da mídia esportiva.
Passo aqui pra divulgar um blogue recém-criado dedicado ao futebol brasileiro. Trata-se de O TEMPO E O PLACAR... (coloquei, inclusive, o Jornalismo Esportivo dentre os meus favoritos), e o endereço é:
www.otempoeoplacar.blogspot.com
Obrigado,
Vinícius Faustini
www.diariodeumsalafrario.blogspot.com
www.emocoesrc.blogspot.com
Hola que tal
Soy Bocha, creador del blog Abran Cancha. Estoy muy interesado en tener un intercambio de links con tu blog, la verdad que me ha gustado mucho y seria un honor tenerlo entre mis enlaces. Un abrazo grande.
Si quieres agrégame a seguidores…
www.abran-cancha.blogspot.com
O esporte socializa e por isso sou favoravel em tese e na prática aos estaduais... sempre o serei e nada me fará mudar apra elitização óbviamente monetária e forçada pelos interesses de uma elite pretensamente dominante liderada pela televisão seja ela globo ou record! E qt ao indio, um bom jogador e nada mais, mas que louvo pelo fato de vir de onde veio e sobrepujar racismos e discriminações permanecendo na ativa. Abraços, belo e intrigante texto. Valeu pelo post!
Concordo Maldita..
Sou 100% favorável aos estaduais...Há muito mais nos cantos da bola do que apenas os ricos clubes dos estados....
Ótimo perfil! O futebol, muitas vezes, perpassa por questões que vão muito além da bola rolando, como o caso da população indígena no Brasil, raramente aproveitadas pela grande mídia. O papel dos blogs esportivos é justamente esse: ir atrás de histórias que ainda precisam ser contadas, ir atrás do que o esporte (e a imprensa) ainda não mostrou.
E também assino embaixo sobre os Estaduais, que, além de mostrarem as diversidades locais, são uma ferramenta e tanto para o marketing dos grandes clubes fixarem suas marcas em suas devidas regiões de atuação.
Abraços!
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