segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

O novo saudosista

Por: Lincoln Chaves
Nunca fui muito apegado à moda, mas naquela ocasião, abri mão desse pensamento. Tinha 10 anos. Fui ao cabeleireiro e pedi para que "cortasse tudo". "Tudo?". "É, tudo". Não, não cortei tudo. Meus pais não deixaram, diziam que eu iria parecer malandro. Tudo bem, passei a máquina dois mesmo. Mas para mim, já era o suficiente. Cabelo cortado, voltei para casa, coloquei a camisa do Brasil e dei um largo sorriso no espelho. Os dentes à mostra, separados. Eu me sentia mais Ronaldo. Ronaldinho, ainda, à época.

Tenho certeza que não fui o único. Muitos outros fizeram o mesmo. Era a onda do "cabelo raspadinho, estilo Ronaldinho". E eu entrei nessa. Mas não tinha como ser um amante do esporte, em especial do futebol, e não entrar. Os mais jovens, como eu e os amigos que escrevem neste blog, certamente passam a maior parte do tempo ouvindo pais e nomes da velha guarda jornalística declamarem, como poemas, os esquadrões dos anos 60 e 70. Repetirem que não há craques como antigamente, e tudo mais.

De fato, existiram muitos craques no passado. Mas no presente, eles também existem. Como Ronaldo, só um. Não era exemplo de malemolência. Era exemplo de habilidade, aliada à força e explosão. Não era Pelé. Não era Romário, o maior gênio que já vi atuar dentro da área. Não foi o maior 10 ou o maior 11. Mas, certamente, é o maior 9 da história do futebol mundial. Será que os eternos saudosistas encontrarão jogadores como ele em seus empoeirados livros de cabeceira? Difícil. E não sou eu que digo isso. É a história.

Galvão Bueno é criticado, muitas vezes, por exagerar nos afagos a determinados jogadores. Mas quando ele diz que esta é uma segunda-feira triste para o futebol, ele está certo. Afinal, um dos maiores jogadores de todos os tempos, no planeta, está abandonando os gramados. Alguém que é, sim, exemplo. Não pelos excessos de hoje. Mas pelo que já passou. Operação nos dois joelhos. Anos de dor. E dois títulos mundiais. E três títulos de melhor jogador do mundo. E o posto de maior goleador da história das Copas do Mundo.

Sim, é muito mais fácil se superar quando se tem dinheiro para custear operações como as que Ronaldo teve na carreira. Mas por que, então, ele não desistiu nas três vezes que teve chance, se já tinha dinheiro para dar e vender? Por que se sujeitou a correr o risco de não dar a volta por cima e se queimar na história? Porque Ronaldo é diferente. Porque sabia que era possível. E muitos, mesmo sabendo que as coisas são possíveis, desistem antes de tentar, inclusive tentados pela tranquilidade financeira. E ele não desistiu.

O Brasil nem sempre valoriza aqueles que o representam. Brincadeiras acontecem, o próprio Ronaldo sabe quando o sarro é esportivo. Mas muitos exageram, e demais. A mídia falha demais na busca da espetacularização de seus elementos, e se preciso for, os rebaixa. Mas por que rebaixar um dos caras que mais deram orgulho ao brasileiro, seja ele fã de futebol ou não? Não só por seus títulos, mas por sua personalidade e pelas vitórias dentro e fora de campo?

Lembrar dos grandes é sempre bom. Todos gostam de recordar Pelé, Garrincha, Friedenreich, Tostão, Zizinho, Ademir da Guia, Feitiço... Mas às vezes ignoram que um desses monstros está muito mais perto do que imaginamos. A partir desta segunda, no entanto, Ronaldo mudará de degrau. Vai para a lista dos saudosistas. Mas a dos novos saudosistas. Aqueles que talvez não entendam o que representa um Pelé ou um Maradona. Mas que, a partir de hoje, vão começar a entender quem é - e foi - Ronaldo Luís Nazário de Lima.

Fico feliz por quem viu e viveu plenamente Pelé, o maior de todos os tempos. Mas fico ainda mais feliz pelos que, como eu, viram e viveram Ronaldo. O maior da minha geração, a geração dos próximos saudosistas. Aquela que, desde já, torce para que Messi, Cristiano Ronaldo e, certamente, Neymar e Paulo Henrique Ganso, joguem mais alguns milhares de anos, para que despedidas tristes como a desta segunda não ocorram tão cedo.

Obrigado, Ronaldo, pelo monstro que você foi para o esporte mundial.

Imagem:
IG/AP

4 comentários:

Escala Richter Futebol Clube disse...

Lincoln, sábia e belas palavras e relato sobre o Ronaldo! :)

Bj

Rafael Zito disse...

Um texto espetácular! Fantástico! Fenomenal! Parabéns Lincoln

Ronaldo é gênio e para mim, junto com romário, o maior centroavante q vi jogar. Daqui um tempo seremos nós os saudosistas e citaremos q "como ronaldo não existem mais". É um diferenciado...

Me revoltei com alguns clubismos q notei hoje. Ronaldo é, para os corintianos, do Corinthians, mas, para os outros torcedores, ele é brasileiro e do Mundo. Merecia, pelo menos no dia da sua "primeira morte" como ele msm colocou, ser respeitado pelos bestas q fizeram chacota.

PS: Ronaldo pra mim é o segundo melhor q vi jogar. Zidane segue em primeiro. Questão de Opinião.

Karin Thomazin disse...

Sem palavras, lindo texto!
#PRASEMPREFENOMENO

Sabrina Machado disse...

Ronaldo deixará saudades...

Em 94, vi Romário ganhar a Copa. No Mundial seguinte depositei minhas fichas no fenômeno, mas por dedo de Deus talvez, a Copa dele seria a de 2002...

Torci muito por Ronaldo, e até hj não consigo encontrar um centroavante que se aproxime do gênio que ele foi...

É um cara que vestiu a camisa do rival do meu time, mas que declarou que não torceria contra o Palmeiras,em 2009.

Além de tudo que fez com as bolas nos pés, Ronaldo é do bem. É um exemplo para os jogadores que querem ser estrelas...

Espero que a nova geração de jogadores se espelhe no que o Ronaldo foi/é e sempre será para aqueles que puderam ver esse cara jogar: um fenômeno...

E fenômenos da natureza não têm explicação...

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