segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

(Mais uma) superação

Por: Lincoln Chaves

Conheci a Fórmula 1 por intermédio de Ayrton Senna. Não, ele não se sentou ao meu lado e mostrou o esporte. Mas era o principal motivo de meu pai - e, posteriormente, ele e eu - se levantar cedo, religiosamente, todo domingo em que ocorreria uma corrida. Nem sempre ele ganhava, mas o arrojo demonstrado em todas (eu disse todas) as provas o fazia diferenciado, o levava aos títulos, ou aos vice-campeonatos. Com o falecimento de Senna, o primeiro passo é buscar mais alguma referência que te faça seguir com o religioso acompanhamento da Fórmula 1. Especialmente em um momento que a FIA aposta cada vez mais na busca de mercados e, em muitos casos, ignora a competitividade, trocando circuitos tradicionais por outros sem o menor grau de emoção, mas cujo público endinheirado ajuda no "pagamento das contas".

Foi assim que passei a admirar Rubens Barrichello e Robert Kubica. E, não, nunca consegui ser um grande fã de Michael Schumacher. Rubinho é alvo de chacotas (admito até, em algum momento, já ter brincado com isso) e por vezes é desrespeitado pela mídia, grande e pequena (felizmente, sei que nunca cheguei a esse ponto), mas, pouco depois de sua estreia na F1, chegou com a enorme responsabilidade de ser o que Senna era para o Brasil. Nunca conseguiu, é verdade, mas sempre foi um dos mais elogiados pilotos do certame. Schumacher e Rubinho nunca efetivamente se deram, e por mais que o alemão dê suas cutucadas no brasileiro, o próprio, em diversas oportunidades, confirmou o discurso geral no paddock, acerca da capacidade do atual piloto da Williams. O episódio da Áustria, em 2002, é insistentemente lembrado pelos críticos, como "prova de que Rubinho é vendido".

Bobagem. Fácil é nós falarmos de fora sobre situações como essas (e mesmo as que envolveram Felipe Massa e até mesmo Nelsinho Piquet). Difícil é saber como realmente nos portaríamos em tais situações, com um contrato em vigor, uma considerável multa, etc. Esquecem, por exemplo, da ótima temporada de Rubinho em 1999, fazendo belas corridas pela extinta e limitada Stewart, infelizmente não sendo brindado com a primeira vitória da equipe que ajudou a aprimorar dentro do paddock (o único triunfo da equipe foi de Johnny Herbert). Esquecem, por exemplo, da brilhante vitória na Alemanha, em 2000, segurando na mão um carro sem o pneu adequado devido à mudança de tempo, tendo largado nas últimas posições e alcançando, pela primeira vez na carreira, o lugar mais alto do pódio. Até por isso, passei a admirar Barrichello.

E Kubica? Simples. É o piloto que passa a imagem mais tranquila em toda a F1. Não se vê notícias de Kubica em baladas, polêmicas ou declarações instigantes. O que se vê do polonês voador é o seu resultado em pista. Pela BMW, foi ao pódio em sua terceira corrida na carreira (Itália, 2006). Sofreu um grave acidente no GP do Canadá em 2007, que comprometeu sua temporada. Mas em 2008, deu a volta por cima. Conquistou sua primeira vitória (coincidentemente, no mesmo Canadá onde se acidentara na temporada anterior) e manteve-se matematicamente vivo na briga pelo título mundial de pilotos até a penúltima corrida, tamanha sua regularidade ao longo do campeonato. Ficou em quarto, a frente de Fernando Alonso. Em 2009, o polonês se viu prejudicado pelos vários problemas que a BMW viveu (o companheiro de Kubica, Nick Heidfeld, também foi mal na temporada), tendo esboçado uma reação no fim do circuito, quando a construtora já havia anunciado que deixaria a categoria.

Quer prova de que 2009 foi um ano atípico? Vamos, então, a 2010, quando, correndo por uma Renault que estava longe dos tempos nos quais levara Alonso a dois títulos mundiais, Kubica emplacou um honroso oitavo lugar geral, emplacando três pódios e tendo pontuado em praticamente todas as corridas que terminou (só não somou pontos no Bahrein quando ficou em 11º lugar). Fez 136 pontos, deixando para trás um certo Michael Schumacher. Tendo em vista a inexperiência do companheiro Vitaly Petrov, coube a Kubica "encabeçar" os principais ajustes nos carros da equipe. Algo que repetiria (e vinha repetindo) em 2011, na nova Lotus Renault. Vinha com o melhor tempo da pré-temporada, obtido em Valência, e dava a entender que, com a nova Lotus, poderia pintar como a grande surpresa do campeonato deste ano. Mesmo sendo encaixado, quase todo ano, como um "qualquer". O que está longe de ser na F1.

O acidente envolvendo Kubica neste domingo, em uma prova de Rali, que só não foi pior porque (felizmente) o polonês sobreviveu, veio como novo empecilho a um piloto dos mais talentosos, mas que, por falta de sorte (certamente não por deficiência técnica), ainda não conquistara espaço nas grandes equipes. É muito superior, por exemplo, a Heiki Kovalainen, que já passou (e decepcionou) na McLaren. Inicialmente, cogitou-se até que o polonês poderia ter que amputar uma das mãos, hipótese recentemente negada pelos médicos, que, todavia, não descartaram a possibilidade de Kubica ter problemas para a realização de movimentos. Em outras palavras: sua técnica está bastante comprometida. Ficará um ano fora das pistas, e já se questiona seu possível retorno ao paddock. Algo, a meu ver, muito mais relevante de ser comentado do que a insistente discussão sobre a entrada ou não de Bruno Senna em seu lugar, diga-se.

Sei que o texto foi longo, e sei que, talvez, tenha demorado demais para chegar ao ponto: como alguns profissionais são muito menos reconhecidos do que deveriam. Mas avalio que tal introdução foi necessária. Rubinho, por um lado, nunca foi aceito porque não foi um vencedor de provas como Senna — embora seja bem falado em qualquer outro lugar. Por sua vez, não se diz aqui que Kubica deveria ser idolatrado pelos brasileiros. Não faz sentido. O que insisto em não compreender é que, demonstrada sua capacidade, no volante e na superação, nosso personagem nunca tenha sido referenciado entre nós como favorito ou mesmo citado entre os talentos do atual automobilismo. Sejamos sinceros: será Nico Rosberg tão superior assim a Kubica? Ou não seria o alemão apenas uma figura de marketing (seja por seu visual, que claramente se contrapõe ao "desajeitado e grandalhão" polonês) mais eficiente? O fato é que, até hoje, Rosberg é tido como promessa, tal qual Heidfeld, enquanto Kubica é uma realidade.

A torcida é grande para que, nas pistas, Rubinho tenha um pouco mais de carinho por parte da mídia e, em especial, da torcida. E que Kubica mais uma vez volte por cima na Fórmula 1. Volta essa para, de vez, encerrar qualquer dúvida que ainda possa haver quanto a sua capacidade. Talvez por essas necessidades constantes dessa dupla se superar, na pista e fora dela, é que passei a admirá-los mais do que aos grandes campeões. "Só os loucos sabem", não diz a letra da música? Talvez seja isso.

Imagem:
Planetf1.com

3 comentários:

Rafael Zito disse...

Fala Lincoln... excelente texto.

Kubica é um ótimo piloto e já demonstrou seu talento. Mas, ma F-1 a qualidade do piloto cada vez mais é desvalorizada em comparação com o poder dos carros.

Entendi o contexto do seu texto, mas não consigo interligar Rubinho ao Kubica, pq o polonês tem o espírito de campeão, apesar de não ser, que o brasileiro nunca teve.

Lincoln Chaves disse...

A ligação diz respeito justamente à desvalorização de ambos, nem tanto ao espírito. E não vejo que o Rubinho não tenha espírito de campeão. Avalio que tenha ficado essa imagem pela insistência da mídia em querer torná-lo o substituto de Senna, logo em seus primeiros anos. Para complicar, Rubinho, quando enfim chegou a um time competitivo, parou na clara (e, admitamos, justificável) preferência da Ferrari pelo Schumacher. Teve a chance na Brawn, acabou superado, mas veja que, mesmo em terceiro no campeonato, ele estava fora da disputa no meio do campeonato, reagiu muito bem e se manteve na briga até o Brasil. Os reflexos não são os mesmos. Há de se avaliar isso.

Sabrina Machado disse...

O Rafa já te cornetou, Lincoln???

Sim, ambos os pilotos são desvalorizados... Mas não consigo ver o Rubinho como coitado, viu...

Espero, que o Kubica (leia Kubtsa) se recupere bem e volte a correr.. Pq ele é bem melhor que o Barrichello...hauhuahua

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